Nigéria VIII


A DOR DE VER!



Na terceira fase da Missão PEQUENINOS NA NIGÉRIA, pareceu bem ao Espírito e a nós, descer dos púlpitos, abandonar as conferências dentre os que detêm a primazia no meio do povo, e migrar para o “front”, entrar nas trincheiras para a guerra “mano a mano”, olhos nos olhos! Cara a cara com a realidade!



Ah! E que dura realidade! Violenta! Passados dois dias inteiros de batalha campal e aberta, minha alma amanheceu com um grito entranhado, nunca libertado, da dor de ver.



Ah! Se eu pudesse colocar você dentro das minhas pálpebras! Depois que a gente vê as coisas que tem visto não dá mais para fingir que não viu.



Não me refiro à pobreza extrema. Os pobres, sempre os teremos conosco... Falo a respeito da mais estranha categoria de estigmatização infantil. Tenho por certo que uma bomba de insanidade varreu a humanidade que um dia possa ter existido aqui.



Agora... para qualquer lado que se olhe, está tudo lá... É difícil apagar. Ficou estampado, marcado, manchado. É um painel de horrores e o famoso clichê se aplica aqui: É cenário de guerra civil. Tem sangue, mosquito, estupro, abutres, mutilação, monturo, extorsão, maldição, feitiçaria, tumores, exploração, correntes, medo, terror cristão, desencanto e morte.



Nós nos tornamos máquina de evangelizar, que é para ver se, ao menos, a gente belisca essa coisa nojenta que domina o ar! Esse grupo parece uma equipe “caça-fantasmas”, em meio a mais fantasmas do que se podia imaginar! Parece que a gente nunca mais vai embora! Vejo cada um desses soldados: A gente não pára de pregar o tempo todo que é para dizer ao caos que somos Vento contrário! De súbito, vem uma Força para não desanimar! A gente se poupa do óbvio e se dirige ao absurdo!



Pensar, por exemplo...

Pensar é o tipo de coisa que já paramos de fazer faz tempo! Aliás, parece que tudo “faz tempo...”.



É difícil explicar: Quando a gente pensa que isso é cultural, tribal, pagão e milenar; fica evidente que é religioso, cristão-folclórico, atual. Quando pensa que é religioso então, percebe o pano de fundo absolutamente cultural. Quando, finalmente, se conclui que é religioso-cultural, vê que tudo não passa de MÁFIA. É business! É grana! É o diabo... Mamom!



Porém, mais triste do que enxergar esse cenário de guerra infanticida é perceber que o monstro segue adiante sem dar conta que você existe para lutar contra ele. Para cada estandarte que a gente ergue, se levantam dez outros contrários na cidade!



O que existe na África Central existe em todo o mundo; especialmente, onde existe miséria humana e tráfico de drogas, por exemplo. Aqui, contudo, corre o tráfico de alma! Muitas almas! As almas estão acabando por mais gente que nasça... Está aberta a temporada de caça as alminhas que sobraram: as das crianças!



Já vi muita criança sem alma vagando esse lugar! Andam leeentas, feito velhinhos encurvados, sem expressão ou gesticulação. Olhar vago, perdido, entreaberto, confuso. Espectros calados, semi-vestidos, silenciados...



O mal nesse lugar é diferente da fome, da peste e dos terremotos: Aqui, a matança dos inocentes bruxificados é um negócio epidêmico, abrangente, crônico, tentacular, covarde, conveniente, coletivo, impregnado e palpável. É aqui! É aqui mesmo – a geografia do mal!



E “AQUI” se entenda todo e qualquer lado para onde se caminhe a partir desse mirante de discernimentos aonde viemos parar... Sinceramente, estamos no maior matadouro de utopias; isso aqui é a esquina da desesperança total; isso aqui é o “fim do caminho”; é pior que a morte do corpo, é sua ameaça diária, é a sua sombra espreitando os inocentes, comendo gente, sitiando a gente!



Do contrário, alguém pode me responder a questão cotidiana: As crianças que salvamos para onde vamos levar? E se no único orfanato não tem mais lugar? E se voltar para casa é mais perigoso do que qualquer noite sem luar? E o que fazer quando você tenta encontrar um lugar e ao voltar para buscar não tem mais criança lá? E quando tem mais do que você voltou para levar? Se escolho uma, o que eu faço com a outra que vai ficar?



Aqui tem uma fábrica de produção de crianças-bruxas! Os bebês que cuidem uns dos outros! Adulto é um perigo! Adultos são bichos medrosos! Sim! As crianças vivem tensas. A qualquer momento um bicho-gente-grande pode quebrar seus bracinhos, rasgar suas carnes, pingar sangue em seus olhinhos, forçar seus corpos, transformar cada criança num deles!



Chega.

Vou deixar você dormir.

E não vou contar em casa o que eu vi aqui.



Marcelo Quintela (Way to the Nation)

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